terça-feira, 31 de agosto de 2010

Fluxo Nº 1 - Libertação



Não, eu não sou intenso, intenso é o mar, intenso é o homem da casa em frente que passa os dias sentado nunca cadeira de rodas com uma xícara de café na mão, sentindo o vento no rosto, ele é quase cego mas olha para rua e enxerga longe, ele não tem medo da dor, ele brinca com o tempo. Intenso é o ato de viver, eu sobrevivo, espero os dias passarem na esperança que algo de bom aconteça, algo de mágico... Eu ainda não tinha dito isto para ninguém, mas agora vou dizer: EU ACREDITO EM MÁGICA! Acredito na mudança; um dia vou mudar... Vou-me libertar, abrir a porta dessa gaiola que aprisiona meu coração, perguntarei ao homem da casa em frente qual é o nome dele, escreverei sem parar, mandarei cartas para pessoas desconhecidas sem esperar por respostas, eu não preciso de respostas, o silêncio me alimenta, ele me basta. Soltarei aos berros os pensamentos parafraseados que teimam em não sair da minha mente, vão sair... Eles têm que sair, não vai doer, não vai doer, não vai doer... Lá vai: 

Eu sou o homem da casa em frente que passa os dias sentado numa cadeira de rodas, eu olho para rua, neste exato momento vejo uma mulher com um vestido azul e sapatos brancos do outro lado rua, o homem da cadeira de rodas é a mulher, em uma mão ela carrega uma sacola de laranjas na outra uma gaiolas com três pássaros, do mesmo lado da rua um homem de roupa preta observa a mulher, ele tem uma faca presa na cintura, você é o homem, anda em direção a mulher, eles se reconhecem, foi seu carrasco até bem pouco tempo atrás, a mulher corre em disparada em minha direção, o portão está trancado eu grito, me levanto da cadeira vou ao portão e abro o portão, me coloco a frente da mulher, no mesmo instante o homem atravessa a rua, saca a faca e enfia a faca no meu peito, as laranjas e a gaiola que estavam com a mulher caem no chão, a gaiola se abre e os pássaros fogem, as laranjas vão em direção ao asfalto, o meu sangue vai ao encontro das laranjas, eu sou o sangue, a mulher as laranjas, o homem é o asfalto, nós somos os pássaros, somos o tempo, o tempo não morre.

Um comentário:

Almyr Rodrigues disse...

Todos somos imortais... Somos o que nunca pensamos em ser! Belo!