quarta-feira, 28 de julho de 2010

Por não estarem distraídos

Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria
como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê
que, por admiração, se estava de boca entreaberta:
eles respiravam de antemão o ar que estava à
frente, e ter esta sede era a própria água deles.
Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para
dar matéria peso à levíssima embriaguez
que era a alegria da sede deles. Por causa de carros e pessoas,
às vezes eles se tocavam, e ao toque - a sede é
a graça, mas as águas são uma beleza
de escuras - e ao toque brilhava o brilho da água deles,
a boca ficando um pouco mais seca de admiração.
Como eles admiravam estarem juntos! Até que tudo se
transformou em não. Tudo se transformou em não
quando eles quiseram essa mesma alegria deles. Então
a grande dança dos erros. O cerimonial das palavras
desacertadas. Ele procurava e não via, ela não
via que ele não vira, ela que, estava ali, no entanto.
No entanto ele que estava ali. Tudo errou, e havia a grande
poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza
queriam, sem um sorriso. Tudo só porque tinham prestado
atenção, só porque não estavam
bastante distraídos. Só porque, de súbito
exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo
porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que
eram. Foram então aprender que, não se estando
distraído, o telefone não toca, e é preciso
sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone
finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios.
Tudo, tudo por não estarem mais distraídos.
Clarice Lispector

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